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Ademar Lourenço

A solidariedade ao povo gaúcho e a luta contra o bolsonarismo

Alguns dizem que é hora parar com a discussão política. Isso é correto? A tragédia que atingiu o Rio Grande do Sul é um momento para buscarmos a união até mesmo com nossos inimigos?  Não, não é.


Temos que nos lembrar da pandemia. Enquanto a maior parte do mundo lutava para salvar vidas, a extrema-direita fez campanha contra as medidas de prevenção. E isso se repetiu agora com as enchentes que já afetaram a vida de mais de 2 milhões de pessoas no Sul do Brasil.


Nos primeiros dias após o desastre, os bolsonaristas tentaram impedir a solidariedade ao povo gaúcho. Eles chegaram a sabotar uma campanha de doações do influenciador Felipe Neto. Felizmente, a ação foi fracassada. Eles também espalharam notícias falsas que atrapalharam quem estava ajudando. Um exemplo foi a Fake News dos “caminhões com comidas parados” pela Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT).


A boa notícia é que eles fracassaram. O povo do Rio Grande do Sul recebeu milhões de reais em doções e toneladas de alimentos foram arrecadados. O bolsonarismo teve que se relocalizar e, com vários dias de atraso, começou a fazer algumas ações para gravar vídeos nas redes sociais.  


A solidariedade está acima da luta de classes?


Teoricamente, a solidariedade seria algo universal, acima de diferenças políticas e da chamada luta de classes. Mas na prática as coisas são diferentes. Vamos voltar novamente à pandemia. No começo, alguns empresários fizeram pressão para que não existisse distanciamento social. O então governo Bolsonaro fez a campanha “O Brasil não pode parar”, incentivando o funcionamento do comércio mesmo com centenas de mortes por dia.

Qualquer semelhança com a reclamação do governador do Rio Grande do Sul de que as doações estariam “atrapalhando o comércio” não é mera coincidência.


Mesmo diante de grandes tragédias, os mais ricos tendem a ir contra saídas coletivas. Em alguns casos, eles até reconhecem a necessidade de lidar com o problema, mas tentam impedir medidas que possam reduzir suas margens de lucro. É o caso do governador gaúcho Eduardo Leite, que, em nome do agronegócio, desmontou a legislação ambiental do estado. Ele não chega a ser um bolsonarista, mas também está a serviço da burguesia. Hoje Eduardo Leite sobrevoa os locais atingidos por enchentes com colete da Defesa Civil, que teve o orçamento reduzido em seu governo. Mas ele não agiu para prevenir o desastre.


É ilusão acreditar que “estamos todos no mesmo barco” e que os mais ricos vão se sensibilizar porque também serão atingidos pelos efeitos das catástrofes ambientais. Eles preferem o risco de sofrer com uma tragédia do que aceitar as medidas coletivas de prevenção e cuidado. Essas medidas exigem investimentos públicos, cobranças de impostos para quem tem renda maior e a regulação de atividades econômicas. Isso vai contra a lógica do capitalismo.

 

O neofascismo e a defesa da “lei do mais forte”


Diante de uma tragédia que exige soluções coletivas e socializantes, a burguesia se torna um obstáculo. Uma parte da classe dominante adota uma postura fatalista. Reconhece o problema, defende algumas medidas pontuais, mas age para que a margem de lucro não seja afetada. Foi assim na pandemia. Os prefeitos e governadores fizeram um distanciamento social “meia boca”. Isso garantiu o funcionamento do comércio, mas deixou o povo dois anos em uma situação difícil: nem vivia uma vida normal, nem era protegido do vírus. É o mesmo com o aquecimento global. Um setor da burguesia se limita a discutir a “redução de danos” de uma ameaça que pode colocar em risco a vida de milhões de pessoas.


Outro setor da burguesia tem uma política pior. São aqueles que, durante a pandemia, defendiam que “quem tem histórico de atleta” não deveria se preocupar e, quem fosse de grupo de risco e perdesse a vida é porque “todo mundo morre um dia”. Para esses, a defesa da margem de lucro se soma a uma política fascista que propõe a “lei do mais forte”. Ou seja, se algumas pessoas não sobreviveram é porque eram fracas e mereceram o seu destino.


A ideologia fascista incentiva a perda de sensibilidade humana. Uma pessoa dessensibilizada é mais fácil de ser manipulada. A falta de afetos positivos alimenta o ódio, que pode ser usado politicamente. E odiar os banqueiros é difícil. Eles são protegidos por seguranças armados. O fascista é violento, mas é covarde. Por isso o ódio a negros, LGBTs, mulheres, pobres e pessoas em estado vulnerável.


A versão atual do fascismo, o neofascismo, vai mais longe ainda. Os neofacistas têm como princípio a rejeição total à solidariedade social. Para eles, a barbárie deve ser normalizada e qualquer demonstração de amor ao próximo merece desconfiança. Um exemplo disso é a campanha contra o Padre Júlio Lancelotti, que distribui comida a moradores de rua no centro da cidade de São Paulo.


A versão brasileira do neofascismo é o bolsonarismo. E os bolsonaristas são um grande exemplo de repulsa à solidariedade. Não é de se espantar que tenham tentado sabotar as doações ao Rio Grande do Sul. Em situações futuras, vai ser a mesma coisa. A humanidade vai estar de um lado e o bolsonarismo vai estar do outro. Será sempre assim.  

 

A solidariedade é um valor ecossocialista


Empatia é um uma habilidade presente em mais de 90% dos seres humanos. Não precisa ser aprendida, vêm de nascença. Mas a solidariedade social é algo diferente. O ser humano médio consegue, naturalmente, sentir a dor de quem é mais próximo. Mas a solidariedade com quem está distante não é natural. Precisa ser aprendida.


Quando a classe trabalhadora se une para ajudar vítimas de um desastre, ela passa a ter maior noção de sua capacidade. Isso fortalece o instinto coletivo. Os vínculos criados em uma campanha de solidariedade poderão ser usados depois na luta contra a burguesia.


A ajuda ao povo gaúcho é um dever dos ecossocialistas. Por meio dela, podemos convencer as pessoas de que a saída para nossos problemas é coletiva e que o individualismo não é a solução para a humanidade.

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