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Bruno Nascimento

É preciso mais que sentir orgulho, é preciso ir à luta

Em 1969, em meio ao governo conservador de Nixon no EUA, que veio a intensificar a perseguição a grupos minoritários. As pessoas LGBT, à época, se viam obrigadas, ainda mais que hoje, a esconder-se nos cantos escuros e marginais da sociedade.


Um desses refúgios era o histórico Stonewall Inn. Um bar, na região de Manhattan, na cidade de Nova York.


Naquele pequeno oásis, jovens gays e pessoas trans, em sua maioria negros e negras, encontravam um merecido alívio em face da perseguição de uma sociedade que taxava sua existência como doença e crime.


Ali podiam expressar sua sexualidade e sua performance de gênero com a liberdade garantida pela cumplicidade de classe.


Mas, em uma sociedade hipócrita que nos obriga a nos escondermos para, então, nos caçar e nos encontrar, o braço facista da burguesia não tardava a se fazer presente. E as batidas policiais eram frequentes.


A clientela e a equipe trabalhadora passavam por constantes agressões e brutalidade. Eram formadas filas ao lado de fora e revistas e prisões aconteciam à céu aberto. Para servir de exemplo e todo mundo ver e entender a clara mensagem: SE ESCONDAM VIADOS OU NÓS VAMOS TE VIOLAR TAMBÉM!


Na noite do dia 28 de junho de 1969, as pessoas oprimidas rebelaram-se e saíram em contra-ataque. Não só contra a polícia mas contra todo o sistema cis-heteronormativo. Sua reação durou dias, formou paradas e manifestações. Marcou na história ícones como Marsha P. Jhonson.


Foi porque aquelas bichas pretas, marginais e criminosas cansaram de apanhar e ousaram se levantar que hoje somos (um pouco) mais livres.


Mas, hoje, 55 anos depois, ainda há muito Stonewall para ser feito.


Há muito Stonewall a ser feito porque em 16 de junho de 2024, Oziel Branques de Santos, hétero, marido e pai, se levantou de seu lugar no ônibus para defender um casal vítima de LGBTfobia em Curitiba/PR e foi morto com 21 facadas. Porque no Brasil que prometeu não soltar a mão de ninguém, Oziel decidiu segurar a nossa e pagou com a vida.


Há muito Stonewall a ser feito porque em 13 de junho de 2024, Leonardo Rodrigues Nunes, um jovem LGBT, foi baleado e morto em São Paulo/SP. Seu agressor o caçou por um aplicativo de encontros e o matou porque nossas vidas são descartáveis.


Há muito Stonewall a ser feito porque em 10 de dezembro de 2023, Ana Caroline Sousa Câmpelo, uma jovem lésbica, em Maranhãozinho/MA, foi encontrada morta sem a pele do rosto, do couro cabeludo, os olhos e orelhas. Morreu pelo duplo crime de ser LGBT e mulher.


Há muito Stonewall a ser feito porque em 20 de janeiro de 2019, Quelly da Silva, uma travesti, cujo assassino, depois de fazer sexo com ela, a roubou, matou, arrancou seu coração e no lugar colocou a imagem de uma santa. Seu algoz deu entrevista sorrindo e disse que a assassinou porque ela era um demônio. No país que mais consome pornografia envolvendo pessoas trans e que, também, é o país que mais as mata.


Há muito Stonewall a ser feito porque foram 257 pessoas LGBTs mortas no ano de 2023.


Há muito Stonewall a ser feito porque a roleta segue girando e a próxima vítima, a ser brutalmente assassinada daqui há 32 horas, já foi eleita, desde que passou a amar quem ama e ser quem é.


Será que sou eu dessa vez?


Esse é o mês em que os exploradores da classe trabalhadora pintam suas lojas de arco-íris, que as câmaras, assembleias e tribunais, que nos negam acessos e garantias de existência com dignidade, se iluminam com as mais belas cores.


Mas o nosso sangue segue jorrando pelos becos e vielas. Nosso sangue segue o lubrificante das engrenagens cis-heteronormativas que mantém o capitalismo e reabastece de proletários o mercado de carne trabalhadora barata.


Nós, o substrato do modelo padrão de sociedade, em sujeição à viver com os restos deixados para trás por quem usufrui do prato principal, temos, como única opção, a consciência de classe e a organização.

É se perceber, para além de pobre e marginal, a designação imposta para sermos pobres e à margem. E, a partir dessa percepção, se organizar para a derrubada do capitalismo e das construções que ele utiliza para nos oprimir, nos normatizar e, uma vez em fragilidade pelas agressões impostas, nos explorar até a morte e nos descartar como trapos.

Ou atacamos o capitalismo em sua totalidade com vias de extirpá-lo em suas raízes mais profundas e crueis. Ou ele continuará cooptando nossas pautas e lutas e se reinventando para nos reprimir e nos pôr às margens da sociedade, para lá extrair de nós o acúmulo infinito que tanto almeja, ao custo de nossas vidas.

Na mesma medida em que é inconcebível um movimento anti-opressões que, identitário e individualista, ignore que a opressão que vivemos é operada pelo capitalismo e seus meios de incremento da produtividade. Da mesma forma, é fora da realidade se pensar socialista sem combater o capitalismo em todas as suas expressões e formas de exercício de controle.


Mais que uma multinacional colorida. Neste 28 de junho de 2024, é preciso um novo Stonewall em que nós, ecossocialistas, quebremos com o moedor de carne da cis-heteronormatividade capitalista.


Pela vida do Leo, da Carol, da Quelly, do Oziel, da Luana Barbosa, da Matheusa, da Cicarelli, da Malu, da Michelly, da Dani e da Dandara, é preciso mais que sentir orgulho, é preciso ir à luta.


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