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Mateus de Albuquerque

Europa: a esquerda precisou moderar para vencer?

Foi certamente um mês bem sucedido para a esquerda europeia, ao menos na ordem eleitoral. No Reino Unido, o Partido Trabalhista encerrou 14 anos de mandato Conservador e assumiu grande maioria no Parlamento Britânico, o que significa que poderá apontar como Primeiro Ministro o seu líder, Keir Starmer. Já na França, após o movimento de Emmanuel Macron de antecipar as eleições legislativas ter, inicialmente, sinalizado para uma trágica vitória dos fascistas, o segundo turno apresentou uma reviravolta, com vitória da coalizão Nova Frente Popular (NFP), que reuniu diversas organizações de esquerda.


Os analistas políticos da mídia mainstream já apresentam o seu receituário: a esquerda venceu porque moderou. Keir Starmer, do Partido Trabalhista, é reconhecidamente um continuísta do New Labour de Tony Blair, signatário de políticas moderadas e refratário em rever com vigor o arcabouço neoliberal instalado por David Cameron e acentuado por Boris Johnson e Rishi Sunak. Na França, a coalizão representaria uma Frente Ampla que contemplaria partidos social-democratas, tendo como maior exemplo o Partido Socialista (PS). Esta última seria um exemplo da importância de superar um suposto sectarismo infantil da esquerda radical e buscar a unidade.


Ambas as interpretações estão equivocadas. Vamos tratar delas.


No caso da Inglaterra, conforme já anunciamos, é fato que a esquerda vencedora foi uma esquerda moderada, a ponto de quase não poder ser classificada como esquerda. Entretanto, é necessário esmiuçar em detalhes essa vitória. Os Trabalhistas cresceram apenas 2% em quantidade de votantes em relação à eleição passada. Em número absoluto de votos, perderam eleitores. Como então conseguiram vencer? Bem, para entender isso, é preciso entender o sistema distrital. Lá, o país é dividido em 650 distritos, e o eleitor pode votar apenas em candidatos listados nesse distrito. O candidato com mais votos, ganha a cadeira, mesmo se essa for uma “maior minoria”, ou seja, um candidato desejado por apenas 30% dos eleitores pode ganhar se os demais eleitores não tiverem unificado os seus votos.


Foi o que aconteceu. Os Conservadores perderam uma quantidade imensa de votos, mas não para os Trabalhistas. Perderam para o Partido da Reforma, grupamento fascista e xenófobo. Esses, e não os Trabalhistas foram capazes de ganhar o voto do eleitorado frustrado com os Tories. Isso é ainda mais tráfico quando percebemos que estávamos em um cenário de imensa rejeição ao Brexit, política de saída do Reino Unido da União Europeia conduzido pelos Conservadores e, pasmem, amplamente apoiada pelo Partido da Reforma. Ou seja, os Trabalhistas sequer conseguiram tirar do partido mais pró-Brexit os votos anti-Brexit.  A definição de mais sorte do que juízo.


Na França, a interpretação fica ainda mais esquisita. Sim, a coalizão possuía partidos reformistas. Mas foi claramente hegemonizada pela esquerda radical, no caso, pelo partido França Insubmissa, que tem em Jean-Luc Melenchon sua principal referência. Mais relevante que isso: a agenda substantiva da coalizão teve como eixo fundamental uma agenda de esquerda. Essa agenda não necessariamente encontrou o ápice da radicalidade em todos os seus temas, mas esse jamais foi o ponto, a implementação de um Programa Máximo. A questão é tentar digladiar, substancialmente, a narrativa dos fascistas; no caso aqui, da fascista Marine Le Pen e seu partido, o Reagrupamento Nacional.


E nisso, a coalizão foi extremamente bem sucedida: votos foram virados, especialmente na juventude, pela capacidade de a NFP apresentar respostas para os problemas concretos da população francesa. A crítica ao desemprego supostamente provocado pela migração não era respondida com “Democracia! Democracia!”, e sim com “e porque ao invés de uma política de geração de empregos, estamos financiando os ricos?”. As alegações de que os valores tradicionais franceses estavam sendo sufocados não foram respondidas com “Instituições! Instituições!” e sim com a demonstração de que a vida do eleitor estava pior pelo desmonte de políticas sociais, e não por um fim do tradicionalismo que, efetivamente, não estava sendo imposto a ninguém. Não à toa, a NFP teve como principal consigna uma taxação radical sobre os ricos. Fundamental em um país que possui entre seus cidadãos o homem mais rico do mundo, Bernard Arnault.


Assim como nem toda a derrota é final, nem toda a vitória o é. Marine Le Pen reagiu à perda da eleição com certa lucidez profética: “nosso triunfo foi apenas adiado”. Se é fato que a esquerda britânica, abandonando a radicalidade, foi incapaz de conseguir tirar votos dos fascistas, também é fato que, na prática, venceu. O que será feito com essa vitória definirá os rumos do Reino Unido: Starmer fará as políticas que tirarão eleitores do Partido da Reforma ou deixará que este conquiste as cadeiras de vez no próximo pleito? E se é fato que a coalizão vencedora francesa é orientada pela radicalidade, também é fato que essa vitória pode se desfazer facilmente se os eixos organizadores de sua campanha forem dirimidos em prol de uma aliança com Macron. A NFP se manterá radical ou cederá?


Essas são as perguntas necessárias para saber se a profecia de Le Pen se cumprirá. Perguntas que, aliás, nós brasileiros precisamos nos fazer.

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