Urge a necessidade da superação do capitalismo, mas como premissa temos que vencer o desafio de organizar a nossa classe. Sob essa perspectiva, concebemos a Rebelião Ecossocialista, uma organização marxista revolucionária com o propósito de contribuir para o fortalecimento das lutas por um outro futuro. Somos da classe trabalhadora, antirracistas, feministas, antiproibicionistas, antimanicomiais, abolicionistas, anticapacitistas, ecossocialistas, internacionalistas. Somos diversos em raça/etnia, gênero, sexualidade, territórios e religiosidades. Recém-surgimos a partir do fim da Comuna, após o reconhecimento de um bloqueio para a solução de divergências políticas internas relacionadas à concepção de organização revolucionária. Seguimos militantes da seção brasileira da IV Internacional e do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).
Acreditamos que a potência para a derrubada do capitalismo se encontra na nossa própria condição de classe oprimida e explorada. A derrota desse sistema, que tem no racismo e no patriarcado os pilares do seu poderio, exigirá, no entanto, uma transformação radical na sociedade, num movimento organizado de baixo para cima, por nossas próprias mãos e consciências. Somente por meio da mobilização e da luta popular organizada é que poderemos construir uma sociedade justa, igualitária e de fato livre para todas, todos e todes.
Surgimos para somar forças a esse histórico processo revolucionário, cujo avanço exige dedicação, coragem e organização. Na busca cotidiana da unidade na ação, reivindicamos o centralismo democrático, proposta organizativa de inspiração leninista, como método essencial para a preservação da democracia interna e das nossas relações com os movimentos sociais, com respeito aos seus fóruns e a sua autonomia. Do mesmo modo nos comprometemos com a busca por consensos como prática essencial no incansável esforço de edificação dessa democracia. Por princípio, devemos garantir os direitos de eventuais posições minoritárias, tanto quanto impedir o risco da paralisia, um dos piores males que podem acometer uma organização. Isso se faz possível pelo respeito aos encaminhamentos coletivos, com fraternidade e solidariedade.
A cultura política de uma organização, longe de ser um aspecto abstrato de sua composição, deve incorporar valores fincados em respeito, confiança, disciplina e generosidade, para que o nosso funcionamento não seja contaminado por comunicação violenta e reprodução das opressões que pretendemos combater.
A experiência histórica da nossa tradição política nos ensina que teoria e prática devem coexistir. E o que torna a práxis possível é o modo como organizamos a nossa militância, a nossa formação política contínua e o modo como intervimos nos mais diversos movimentos sociais em consonância com a concepção de organização e a cultura política que defendemos.
O ecossocialismo, em interseccionalidade com as lutas do povo negro, do feminismo e dos movimentos LGBTQIA+, é a nossa estratégia revolucionária. Acreditamos que, por meio desse programa, alcançaremos a experiência da democracia plena como forma de, finalmente, redefinir os rumos da nossa existência e a do planeta que habitamos.
O agravamento da destruição da natureza representa uma grave ameaça à humanidade, endurece a luta de classes e impõe a necessidade, em resposta, de uma aceleração das nossas batalhas pela superação da barbárie capitalista em todas as suas dimensões. Nossas ações devem ser guiadas pela consciência de que os danos ambientais de hoje, salvo mudança abrupta de rumos, irão determinar desde já condições de vida na Terra cada vez mais terríveis.
É patente a centralidade do ecossocialismo, em suas formulações, na construção das lutas dos nossos tempos. O momento histórico nos ensina que somos parte do meio ambiente que tem sido progressivamente aniquilado. Puxamos o freio de emergência ou haverá um futuro sem o nosso testemunho.
A alternativa para a trágica conjuntura que nos cerca não só é urgente como é factível, possível. Contra a ideia que a ideologia burguesa nos vende, de que é mais fácil pensar o fim do mundo do que o fim do capitalismo, afirmamos que a superação da barbárie será ecossocialista.
Crise sistêmica e a necessidade de uma rebelião ecossocialista
A pandemia da Covid-19 confirmou as previsões da IV Internacional e do movimento internacional ecossocialista de que seria necessário “puxar o freio de emergência” do capitalismo para preservar as condições da vida humana no planeta. Soma-se a isso uma guerra europeia, entre Ucrânia e Rússia, que influencia negativamente toda a economia mundial, uma economia mundializada e dominada pelo rentismo, que especula com vidas.
Nos últimos anos, enfrentamos como resposta à crise estrutural do capitalismo a ascensão ao poder de uma nova extrema-direita, que aposta na necropolítica como "solução" para a insustentabilidade desse sistema de exploração incessante de um planeta finito. Figuras autoritárias como Viktor Orbán, na Hungria, Vladimir Putin, na Rússia, e Recep Erdogan, na Turquia encarnam o perverso projeto neonazista, extremista, fanático e genocida. Os seus governos rumam no sentido do fechamento de regimes democráticos burgueses, transformadas assim em ditaduras escancaradas. A nova extrema-direita não extinguiu as velhas direções do capital, presentes na OTAN e EUA, de Joe Biden a Macron. Nesse setor, o verniz ecológico não disfarça o rastro tóxico do do seu produtivismo imparável.
No Brasil, Jair Bolsonaro é expressão emblemática da nova extrema-direita mundial. Seu governo impôs ao Brasil uma grande coalizão anti-ambientalista, racista, lgbtfóbica, misógina, reacionária, fundamentalista, militar e, sobretudo, burguesa. Com o suporte de diversas frações das classes dominantes, conduziu ajustes neoliberais enquanto promovia tragédias em todas as dimensões da vida do nosso povo e do meio ambiente. O Brasil esteve sob essa gestão no auge da pandemia da Covid-19, o que resultou em quase 700 mil mortes em um contexto de políticas negacionistas e anti-ciência, com o atraso na compra de vacinas, disseminação de fake news e estímulo a tratamentos sabidamente ineficazes.
Bolsonaro fez um governo trágico para a classe trabalhadora também do ponto de vista econômico, com uma política – orientada por Paulo Guedes – que priorizou o mercado financeiro em detrimento de qualquer interesse da população. Com uma nova legislação armamentista, incentivou a posse de armas de fogo e desregulamentou as fiscalizações, o que fortaleceu o tráfico de armas e fez aumentar o número de homicídios.
A derrota eleitoral de Bolsonaro foi uma vitória da classe trabalhadora brasileira e mundial. O campo fascista não realiza, porém, as suas disputas apenas no campo eleitoral e institucional. Pelo contrário, está cada dia mais evidente que a estratégia desse campo no Brasil é a destruição do Estado de Direito por sua intensa atuação em diversas esferas da sociedade, com a mobilização de uma militância fanática e violenta.
Ainda que derrotado nas eleições para o Executivo em 2022, o bolsonarismo teve uma expressão eleitoral muito importante e segue forte na sociedade e nas redes sociais. E protagonizou, por exemplo, a tentativa de golpe de 8 de janeiro, cujo fracasso não significou, entretanto, uma desistência da extrema direita em seguir adiante com o seu projeto político. O crescimento e a consolidação do fascismo no Brasil precisam ser combatidos cotidianamente. Essa é uma das tarefas centrais da nossa geração.
Em meio a tudo isso, nosso país segue banhado de sangue em uma de suas maiores sequências históricas de massacres de povos e lideranças originárias, sobretudo dos que habitam regiões em conflito com latifundiários, garimpeiros, grileiros e todo tipo de invasores determinados a pôr fim à existência de povos como os Chiquitanos, os Guarani e Kaiowá, os Guapos Y, nos estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, e os povos Yanomâmis, em Roraima, cujo massacre foi denunciado logo nos primeiros dias de mandato de Lula.
A justa euforia pela vitória de Lula exige a nossa reflexão sobre o modo como a dimensão dessa vitória no pleito presidencial se dá sobretudo por quem ela derrotou e pelo que representa o projeto de Bolsonaro. Mas não devemos naturalizar ataques recentes como a aprovação do Marco Temporal, na Câmara dos Deputados, que ataca o direito dos povos originários à sua demarcação de terras, e a aprovação do novo teto de gastos, chamado por Haddad de novo arcabouço fiscal. Sem a mobilização em massa da classe trabalhadora nos manteremos reféns da ilusão de que um discurso apenas progressista pode substituir a organização dos de baixo no enfrentamento à exploração violenta perpetrada pelos de cima. Nossa organização, nesse sentido, é um instrumento para as lutas sociais e a crítica justa a quaisquer governos que ataquem a classe trabalhadora e a população oprimida de nosso país.
O desafio de construir uma rebelião ecossocialista em um partido de massas
A Rebelião Ecossocialista se define como uma organização revolucionária que constrói o PSOL. Como principais tarefas do partido, defendemos a adoção de um programa ecossocialista de transição e enfrentar a extrema-direita brasileira e todos os seus ataques cotidianos. Essa tarefa somente poderá ser cumprida com algum êxito se conseguirmos manter independência política frente ao governo de Lula e formos capazes, mesmo neste governo, de denunciar e enfrentar os ataques à classe trabalhadora brasileira.
O PSOL é um partido caracterizado por uma disputa interna, em muitos aspectos pública, protagonizada por um campo majoritário (hoje autointitulado “PSOL de Todas as Lutas”) e um campo de oposição, o Bloco de Esquerda. Essa disputa se concretiza em um modelo de filiações por parte do campo majoritário que consideramos profundamente despolitizado e alheio a um critério militante, como era previsto quando da fundação do partido, em 2004.
Ainda assim, em quase vinte anos, o PSOL defendeu pautas estratégicas e contribuiu para que uma parte significativa da classe trabalhadora se mantivesse independente de governos e com um programa político que nos manteve em uma posição de relativo destaque nos difíceis anos de crise política no Brasil, com o golpe contra Dilma, os governos de Temer e Bolsonaro. Também há de reconhecer a persistência do PSOL na defesa de outra forma de sociedade, igualitária e justa, reforçada por contribuições que inovaram a perspectiva revolucionária da esquerda no Brasil e no mundo, com bandeiras importantes, como o antirracismo, o feminismo, a luta contra a lgbtfobia, além da própria perspectiva ecossocialista.
Preocupa-nos, no entanto, uma progressiva tendência de adaptação do PSOL ao modus operandi da política institucional em sua limitada democracia representativa, como resultado da sua disputa interna. Enquanto um setor almeja a sua adaptação completa à política burguesa, tal qual ocorreu com o PT, o outro almeja que o partido siga o rumo de um coletivo amplo, aberto, porém unificado a partir de um programa de ruptura com a ordem vigente da política brasileira e internacional.
Neste ano, em que será realizado em setembro o VIII Congresso do PSOL, o bloco interno majoritário desenvolve uma linha de flexibilidade eleitoral, com manobras para filiação em massa, de modo a manter o controle do aparato partidário.
O núcleo mais pragmático desse bloco é composto pela Revolução Solidária e Primavera Socialista, organizações que compõem o PSOL Popular. Contudo, as suas movimentações têm sido, na maioria das vezes, acompanhadas pelo PSOL Semente. Juntos, estes setores formam o campo PSOL de Todas as Lutas.
Nesse contexto, nós, da Rebelião Ecossocialista, fundada em 1° de maio de 2023, apostamos na construção do Campo Socialista, defendido por organizações que compõem o bloco de oposição e pelo deputado federal Glauber Braga (RJ), que é independente. Compreendemos que esse campo pode ser um espaço aglutinador das forças que permanecem na batalha por um PSOL democrático e comprometido com um horizonte estratégico ecossocialista.
Como contribuir para uma rebelião ecossocialista?
Nosso balanço crítico sobre a construção do PSOL também serve para pensarmos em como atuar numa organização que exista e funcione para além dos limites da vida partidária. A rebeldia das massas é exercício cotidiano e não pode ser reprimida por enquadramentos da vanguarda política.
Estamos organizados em diversos movimentos sociais e populares. Compreendemos que é na luta que aprendemos ainda mais a enfrentar o sistema capitalista. Da juventude à negritude, da participação do movimento pelos direitos da população LGBTQIA+ ao movimento sindicalista. Nossa prioridade é fortalecer cotidianamente as lutas dos setores da sociedade mais oprimidos pelas classes dominantes.
A Rebelião Ecossocialista está junto da classe explorada e constrói com ela as lutas. Essa é a nossa estratégia ecossocialista. Nossa consciência é formada na lida com as contradições inerentes ao desafio. É no dia a dia das lutas populares que evoluímos no rumo da derrubada da ordem vigente. É na luta cotidiana para solucionar os problemas dos mais pobres e mais oprimidos que aprendemos sobre a natureza estrutural da crise do capital que afeta o país e o mundo.
A perspectiva de construção de um programa de transição não é nova e ainda nos parece muito atual. A atuação em um partido de massas amplo e a presença em movimentos sociais também não foi uma invenção de nossa organização. Entretanto, nos últimos anos, o fenômeno das redes sociais nos fez repensar as formas de comunicação do movimento revolucionário e ecossocialista. É nesse sentido que compreendemos que é preciso inovar na comunicação e aprender com as experiências de grupos e militantes que compartilham de nossa estratégia e, ao mesmo tempo, se adaptaram às novas formas de dialogar com a população, sobretudo as novas gerações. Somos a Rebelião Ecossocialista nas ruas e nas redes, integrada, conectada e moderna.
Convidamos você para conhecer a nossa organização e para construir a rebelião cujo objetivo não é a própria revolta, mas a defesa de um amanhã para toda a humanidade. Sejamos a Rebelião Ecossocialista hoje para que exista uma vida plena e livre de todas as opressões no futuro!