Há algumas semanas os noticiários das diversas mídias de todo o país apontam, por diversas razões, a possibilidade concreta da prisão de Jair Bolsonaro, destacando-se a apropriação indevida de jo
ias dadas por lideranças sauditas ao Estado brasileiro, num forte esquema de corrupção, e a possibilidade de financiamento da tentativa de golpe civil-militar no dia 8 de janeiro de 2023.
Logo após a esse episódio, movimentos sociais, partidos e ativistas cobraram das autoridades que os crimes de Bolsonaro e seus aliados não fossem anistiados e que ele fosse devidamente condenado, a partir de um julgamento resolvido em todas as instâncias, e responsabilizado. Portanto, neste momento, ao contrário de aguardar de forma passiva os desdobramentos das investigações policiais e o cumprimento de decisões judiciais, o movimento “Sem Anistia” deve ocupar as ruas pressionando as instituições para que cumpram seu papel formal, ainda que saibamos que não podemos confiar no sistema penal para buscar por justiça.
Essa inatividade se mostra como continuidade de um imobilismo que marca a atuação de lutadoras e lutadores após a eleição de Lula. Vale lembrar, nessa toada, que, embora o pós 8 de janeiro tenha sido refutado com manifestações, ele também foi protagonizado pela reação do Supremo Tribunal Federal, especialmente na figura de Alexandre de Moraes, assim como ocorre agora no processo criminal de Bolsonaro.
A militância revolucionária não pode cometer o erro político de acreditar que a prisão de Bolsonaro servirá de exemplo para que novas tentativas de golpe ou de ataques genocidas à nossa classe sejam implementados. Esse é um dos argumentos que a ideologia dominante prega para sustentar a existência do Estado Penal e do sistema prisional. A justificativa de que prender pessoas leva a população a concluir que “cometer crimes não compensa” é uma das retóricas mais perversas, amplamente arraigadas na sociedade, desenvolvidas pelo capitalismo para sustentar os campos de concentração que configuram hoje as prisões. Se isso fosse verdade, não estaríamos no auge da criminalidade da história do Brasil e, simultaneamente, com mais de 800 mil pessoas encarceradas.
Isso não deve, obviamente, nos levar à reivindicação de que Bolsonaro não seja preso, tampouco ao simplismo de acreditar que sua prisão não gerará impactos para nossas lutas. No entanto, é fundamental, a partir dos acúmulos programáticos em torno do abolicionismo penal, pautar essa reivindicação com a seriedade que ela exige.
A partir disso, é preciso que estejamos à frente da reivindicação de que Bolsonaro jamais seja anistiado pelo que fez. A bandeira “Sem Anistia” é um mote central para isso. No entanto, ou fazemos isso de forma atrelada à nossa estratégia revolucionária, que precisa ser abolicionista, ou corremos o risco de contribuir para o fomento da ideologia disseminada sobre o papel que o Estado Penal cumpre em nossa sociedade - como se fosse aliado do nosso povo e não um de nossos principais alvos de superação.
É preciso que estejamos à frente das mobilizações contra a anistia de Bolsonaro para que ela seja pautada sem alimentar expectativas de que a justiça burguesa resolverá os conflitos sociais colocados em nosso tempo, tampouco cumprirá o papel de enfrentar o bolsonarismo. Essa tarefa é nossa e só poderá ser cumprida pelo povo. Isso fica demonstrado quando ressaltamos que o mesmo sistema de justiça que agora busca condenar Bolsonaro é o mesmo que não o processou por ter condenado à morte mais de 700 mil pessoas.
O que queremos para Bolsonaro não é possível de acontecer no capitalismo, pois não há formas de garantir justiça social neste sistema. Por isso, precisamos discutir sobre o que é justiça social, o que aponta fundamentalmente para a destruição deste sistema, por várias razões. Bolsonaro está sendo processado por crimes que não são eventualidades de um governo que serve às classes dominantes, mas a marca de um sistema que funciona contra o interesse da maioria da população. Além disso, é no mínimo revoltante que, depois de tantos atentados à nossa existência, Bolsonaro esteja na posição em que está em razão de joias furtadas.
É evidente que encaramos como um problema o desvio de joias do Estado brasileiro. Mas Bolsonaro foi, antes de tudo, responsável pela morte de mais de 700 mil pessoas, dos nossos e das nossas. Foi responsável, como representante da classe dominante, pela retirada de direitos historicamente conquistados e por disseminar o ódio às mulheres, ao povo negro e às LGBTQIA+. E foi responsável, entre uma lista imensa de ataques, por implementar políticas despudoradas de destruição ambiental. Nosso ódio a Bolsonaro tem classe, tem gênero, tem cor, tem sexualidade e precisa ser organizado. É dessa forma que precisamos canalizar nossa revolta, pautando a absoluta ineficácia desse sistema em fazê-lo. Não nos cabe, jamais, reiterar a posição de que é nas instituições em que devemos confiar.
Para incidir dessa forma nessa discussão, não podemos nos limitar a posts agitativos sobre os crimes de Bolsonaro - muitas vezes marcados pela conotação negativa do adjetivo “criminoso”, em um país onde grande parcela da classe trabalhadora é formalmente condenada como tal. Precisamos incidir sobre esse debate a partir da mobilização popular. Se acreditamos que a prisão de Bolsonaro pode desmobilizar o bolsonarismo, é nas ruas que devemos reivindicá-la, discutindo com a nossa classe, e não na cansativa espera de que o STF aja sobre isso.
A única forma de realmente não anistiar Bolsonaro é apostar na construção da não-anistia nas ruas. Essa condenação social tem um peso para nossa história e para o combate à extrema direita no Brasil que nos vale mais do que uma condenação formal protagonizada pelo STF, que não pode nos garantir justiça social. Essa Não Anistia, construída pelo povo, só poderá ser alcançada por meio da mobilização social e para reafirmar que não esqueceremos que Bolsonaro é um golpista e que o bolsonarismo é fascista. É nosso imobilismo que coloca em xeque a condenação social que Bolsonaro merece. Não nos movimentar é anistiá-lo.
O nosso não-perdão a Bolsonaro precisa ser construído pelas nossas mãos, num processo que faça avançar a consciência de classe. Somente assim poderemos manter viva a memória que condenará Bolsonaro pela violência à qual ele nos condenou nos últimos anos.
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