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Foto do escritorRebelião Ecossocialista

​Tese ao VIII Congresso do PSOL

É tempo de reconquistar direitos, organizar as lutas populares, derrotar a extrema-direita e impedir a catástrofe ambiental


Tese construída pela Rebelião Ecossocialista, APS, Alicerce, Centelha, LSR, Revolução Ecossocialista e militantes independentes


Atenção! Este texto é uma versão inicial, parte de um processo de construção coletiva e deve sofrer modificações​


1- A APS/PSOL que Ousa Lutar, Alicerce, Centelhas, LSR, Rebelião Ecossocialista e Revolução Ecossocialista apresentamos a presente tese ao VIII Congresso Nacional do PSOL com o objetivo de contribuir para a formação de uma nova síntese política e programática para nosso partido.

2- O PSOL, fruto da resistência da esquerda contra o neoliberalismo e a incorporação do PT à ordem capitalista, está diante de enormes desafios. Está posta a necessidade de contribuirmos ativamente para as lutas pela recuperação e conquista de novos direitos, ampliando-os para toda a classe trabalhadora, e o combate à extrema-direita, face mais violenta do capitalismo, hoje representado pelo bolsonarismo. Essa tarefa histórica só será viável com um partido forte, enraizado nas lutas da classe trabalhadora e contra todas as opressões e que prime pela sua independência de classe. Em paralelo a essa tarefa precisamos apresentar uma alternativa programática radical que ataque as raízes dos problemas econômicos, sociais e ambientais, articulando demandas populares imediatas com a perspectiva de superação do capitalismo e que seja capaz de preparar o PSOL para a luta pelo poder político.

Um mundo, múltiplas crises: econômica, ambiental, social e militar

3- O capitalismo, como um sistema de crises cíclicas, nos coloca diante de um cenário complexo, fruto apodrecido de um modo de produção e consumo que por séculos tem explorado e mercantilizado a vida. Vivenciamos uma crise que articula múltiplas dimensões econômicas, ambientais, sociais e políticas. Desde a década de 1970, o capitalismo vive uma crise estrutural em decorrência da redução da sua taxa média de lucro. Para contornar essa crise diversas ações foram desenvolvidas: o fim do arcabouço de Breton Woods; a reestruturação produtiva; os ataques aos direitos da classe trabalhadora; a imposição das reformas neoliberais com privatizações e desmonte de redes de proteção social; a expansão capitalista para as fronteiras dos regimes burocráticos do Leste Europeu e outras; a destruição do meio ambiente; as guerras, diretas ou por procuração, em busca de recursos naturais para saciar os interesses das principais nações imperialistas (especialmente da Europa e os EUA) etc.

Os resultados do desenvolvimento da industrialização baseada em combustíveis fósseis, não conseguem mais esconder o saldo dos desequilíbrios ecossistêmicos que provocam. Com a soma de todas as crises, aprofundaram-se também, nos sistemas que estruturam o capitalismo, as opressões étnico-raciais, contra as mulheres e LGBTTQIA+, deixando explícitas a xenofobia e a violência contra grupos sociais e populações oprimidas.

4- O saldo foi o agravamento das desigualdades sociais com gigantesca concentração de renda e riqueza nas mãos de poucos, os 1% da população mundial. Durante a crise sanitária da pandemia do COVID-19 estas desigualdades se aprofundaram. A promessa de uma globalização neoliberal com progresso e felicidade para os povos não passou de mentira que não se sustentou. Hoje a classe trabalhadora, mesmo nos países centrais, e os povos oprimidos pelo imperialismo são as principais vítimas de uma rápida caminhada da humanidade para o abismo.

5- Não há perspectivas “virtuosas” para o capitalismo. O pico da crise de 2007/2008 não foi seguido por ciclo de retomada econômica. Mesmo antes da pandemia, uma piora do quadro econômico se anunciava e os anos pandêmicos agravaram a situação, dada a desaceleração da atividade econômica e a desarticulação de cadeias produtivas, gerando um cenário de recessão nas economias brasileira e mundial. Foi inescapável aos Estados-Nacionais, em nome da burguesia, adotar medidas de estímulo econômico. Essas políticas têm diferenças com o neoliberalismo ortodoxo, mas não rompem com seus paradigmas. Ainda agora, com as tentativas de frear a emergência climática, as alternativas são pautadas no lucro e na subjugação dos povos com a expropriação de territórios.

6- É um fator determinante para esse processo a existência de uma crise climática que vem se agravando, sobretudo, pela emissão crescente de gases de efeito estufa, impondo limites para a repetição de modelos de desenvolvimento anteriores que ameaçariam gravemente a vida futura na Terra. A superexploração dos bens comuns da natureza pelos capitalistas, com a poluição e destruição da biodiversidade, nos quais a agricultura de larga escala sustentada por agente químicos e as mudanças intensas no uso da terra tem papel central, pode nos levar a um ponto de não retorno em relação ao equilíbrio dos ecossistemas do planeta, alguns com limites já ultrapassados.


As forças populares e socialistas devem lutar pela ampliação da consciência da gravidade da crise ambiental e da inviabilidade de qualquer solução para ela nos marcos do capitalismo. O ecossocialismo deve ser posto como um dos nossos principais horizontes estratégicos, em contrapartida ao imperialismo e ao ecocapitalismo e sua mercantilização dos bens comuns da natureza através do “capitalismo verde”, que tenta convencer de que é possível conciliar a exploração predatória da natureza com a preservação do planeta, abstraindo do racismo ambiental, da gentrificação e das disputas em torno dos territórios urbanos e rurais.

Do mesmo modo, essas forças devem travar lutas imediatas pela redução drástica dos gases do efeito estufa com uma transição energética justa, priorizar o uso de sistemas alimentares agroecológicos e por reformas agrária e urbana sob o controle da classe trabalhadora. Uma das medidas que têm impacto mais positivo no enfrentamento desta crise é a drástica redução das desigualdades (já que os mais ricos têm um impacto muitas vezes maior nas várias formas de degradação ambiental que as/os mais pobres), combatendo as medidas e omissões que levam a formação de zonas de sacrifícios na Ásia, África, América Central e do Sul. É preciso começar o quanto antes a transição para uma civilização descarbonizada.

Qualquer perspectiva de saída da crise apontada pelas organizações populares e socialistas deve considerar esses aspectos. Essas lutas são parte do enfrentamento a grandes oligopólios nacionais e mundiais em torno do agronegócio, da mineração, da indústria madeireira, dentre outros. Estes setores utilizam-se do lobby para adquirir influência política para manter seus interesses vitais, apresentando falsas alternativas com rótulos sustentáveis. Influenciam, inclusive, governos progressistas. No fundamental, estão a serviço do lucro acima da vida, gerando impactos nefastos nos territórios onde atuam, adoecendo comunidades e aprofundando as desigualdades.



7- No limiar do século XXI o mundo vive também uma nova bipolarização imperialista. De um lado, EUA/Europa/Japão e aliados e do outro, China, Rússia e aliados, tomando a forma de uma nova guerra fria. As agressões dos EUA aos países que não se subordinam vão continuar, inclusive o apoio dos EUA à Ucrânia serve de alerta à China diante de uma possível iniciativa política e militar em relação à Taiwan. A China capitalista se tornou a segunda potência mundial e desafiante da hegemonia dos EUA; contra ela, os EUA têm realizado uma guerra tecnológica visando bloquear uma possível ultrapassagem, além de provocações militares.

8- Embora com origem e características distintas do imperialismo norte-americano (principal responsável pela instabilidade geopolítica mundial atual), o conjunto da política externa chinesa tem como objetivo seu fortalecimento como potência capitalista mundial, com expansão dos seus interesses na Ásia, África, Eurásia, Oriente Médio e América Latina. O regime chinês, inclusive, vem ampliando substancialmente seus gastos militares. Essa disputa interimperialista é econômica, tecnológica, geopolítica e militar e se manifesta de várias formas, inclusive em conflitos nacionais e regionais. Como consequência, temos uma corrida armamentista e uma escalada militar em várias regiões do globo.

9- A guerra da Ucrânia faz parte desse contexto. Após anos de provocação dos EUA, contando com a cumplicidade europeia, através da expansão da OTAN nos países com fronteira com a Rússia, esta decidiu invadir o território ucraniano. Essa invasão deve ser condenada pelo conjunto da esquerda. O princípio que nos orienta é o da autodeterminação dos povos, na perspectiva do internacionalismo e do fim das fronteiras nacionais, em sua grande maioria construções arbitrárias. Mas isso só pode ser alcançado quando o povo se livrar do jugo do capital, a fim de que todas as decisões sobre fronteiras e nacionalidades sejam tomadas de forma democrática e voluntária, respeitando as diversas culturas, etnias e populações tradicionais.

10- Sabemos que a OTAN é o principal instrumento militar dos EUA e dos países imperialistas europeus, sendo também uma garantia de ordem interna desses países em eventuais situações de crise interna. Portanto, deve ser combatida e repudiada por todos os lutadores sociais. Reconhecemos que os EUA, através da OTAN ou de decisões unilaterais, são o principal inimigo dos trabalhadores do mundo, especialmente dos países dominados, dependentes e oprimidos. Mas isso não naturaliza as agressões militares da Rússia a outros países como a Ucrânia. Todos os envolvidos no atual conflito são países capitalistas, com estados burgueses opressores, mesmo com suas características nacionais particulares e com pesos distintos na geopolítica mundial.

11- Defendemos, portanto, o fim da guerra e a retirada das tropas russas e de outros países da Ucrânia. Somos pela extinção da OTAN e a retirada dos seus mísseis dos países do Leste Europeu. Somos ativamente solidários com os ativistas pacifistas reprimidos pelo governo russo. Defendemos também a autodeterminação dos povos e os direitos de todas as minorias nacionais internas. Cabe aos povos de Lugansk, Donetsk, Crimeia e região de Donbass decidirem seu próprio destino.

12- A continuidade da guerra não é um fenômeno restrito à Rússia, suas fronteiras e à Europa. Seu desenvolvimento agravou a crise econômica mundial, mas não só. Ela é responsável pelo uso mais acentuado de combustíveis fosseis que pioram a situação climática mundial. A extensão do conflito coloca o mundo sob ameaça do uso de armas nucleares ou até mesmo de um desastre em usinas nucleares nas regiões de combate.

13- O mundo segue em um quadro complexo de incertezas e o ônus recai sobretudo na classe trabalhadora e setores oprimidos. São eles que veem seu presente desestruturado e seu futuro em risco. Nesse contexto, os regimes políticos liberais mergulham em uma grande crise de representatividade. Na ausência de alternativas programáticas amplas à esquerda e na insuficiência de alternativas da direita convencional, observa-se o crescimento da extrema-direita e o enfraquecimento de várias forças políticas tradicionais. A extrema-direita navega na crise capturando a frustração, indignação e medo das incertezas que atingem amplos setores. Também se assentam em conservadorismos históricos profundos, como o colonialismo, o racismo e o patriarcalismo. Suas falsas alternativas passam pela xenofobia, instalação de regimes autoritários e pela perspectiva de reestabelecer o controle sobre corpos e sexualidades. Ao mesmo tempo, dissimulando seus objetivos e os articulando em torno de pautas conservadoras, a extrema-direita atua para preservar os interesses fundamentais do grande capital em sua fase de regime de acumulação financeirizado.

Os movimentos de resistência popular também se desenvolvem nesse período. Vimos levantes populares derrubando governos ditatoriais e autoritários, como em Sudão e Sri Lanka. Vimos também ondas de lutas que adquiriram características internacionais, como a luta da juventude contra as mudanças climáticas, a onda de luta das mulheres contra violência e por direitos reprodutivos e também a luta contra o racismo que correu o mundo após o assassinato de George Floyd nos EUA.


Na América Latina, uma nova onda de lutas a partir de 2019 ajudou impulsionar a eleição de vários governos progressistas de diferentes matizes, levantando a esperança de mudanças. Infelizmente, grande parte desses governos repetiram os erros de construir uma governabilidade a partir de uma conciliação de classes, similar a do PT no Brasil, e de administrar a crise do sistema, abandonando promessas que levaram às suas eleições. Vimos a derrota do referendo sobre uma nova constituição no Chile, a profunda crise inflacionária e social na Argentina, o golpe no Peru etc.


14- Parte da resistência popular não conseguiu tornar-se alternativa programática capaz de mobilizar amplas bases e se contrapor às alternativas de extrema-direita. É uma disputa cujo desenrolar não está dado. O curso do seu desenvolvimento dependerá da capacidade de organização de novas ferramentas políticas e sociais que apresentem alternativas à crise em torno dos interesses dos explorados e oprimidos. Uma alternativa antissistema efetiva, que traga na crítica radical do presente os elementos de um futuro alternativo à barbárie capitalista.

15- O PSOL, nesse cenário, deve intensificar seu internacionalismo ativo, constituindo alianças e frentes com setores comprometidos efetivamente com uma nova ordem mundial, baseada na igualdade real, na paz entre os povos, na democracia plena para o povo trabalhador e respeito à natureza. Isto exige que os setores explorados e oprimidos saíam da condição de resistência ou defensiva, para uma posição ofensiva com clara perspectiva anti-imperialista, anticapitalista e ecossocialista. O PSOL deve se colocar como partido ecossocialista, e lutar para a construção do movimento ambientalista não apenas no plano nacional, mas também no plano internacional.


A crise mundial, a extrema-direita e o Governo Lula

16- O 3º mandato de Lula não está isolado do quadro internacional apresentado. O Brasil se insere nele com suas particularidades econômicas, sociais e políticas. O contexto e os desafios que estão postos agora são bem distintos de 2003, quando há 20 anos Lula iniciava seu 1º mandato. As pressões externas e internas sobre os fundos públicos, as empresas estatais, os direitos sociais, o acesso aos bens comuns da natureza e a proteção nos biomas brasileiros, além dos conflitos territoriais no contexto de emergência climática, são desafios para o governo, especialmente aqueles que envolvem os interesses conflitantes entre a maioria do povo e o grande capital.


18- A vitória de Lula em 2022 foi um triunfo da mobilização popular, combinada com divisão no seio da burguesia que não conseguiu emplacar uma “3ª via” entre Bolsonaro e Lula. Assim, Lula tornou-se a única alternativa eleitoralmente viável para derrotar Bolsonaro e dar estabilidade ao regime político liberal no Brasil. A vitória foi apertada, o que demonstra o quanto a extrema-direita adquiriu base de massas e tende a ser uma força social, política e eleitoral relevante por longo período.

19- A extrema-direita atua em uma lógica de mobilização permanente de suas bases sociais nas ruas – quando o contexto permite –, nas redes sociais e no seu sistema de desinformação. Realiza intensa disputa ideológica para manter vivo o sentimento antipopular e antidemocrático da sua ala mais reacionária. É dentro dessa tática de mobilização permanente que agiram na diplomação de Lula no TSE (ainda em 2022); nos acampamentos nos arredores dos quarteis (contando com o apoio de parte das Forças Armadas) e na frustrada tentativa de golpe do 08 de janeiro.

20- A reação do governo e das cúpulas do Poder Legislativo e Judiciário contribuíram para uma desarticulação momentânea dos partidos e lideranças de extrema-direita. Contudo, o movimento de extrema direita na sociedade é fruto indissociável da crise econômica, política, social e cultural, que não tem perspectiva de solução no curto prazo. Portanto, independente das concessões que o Governo Lula se disponha a fazer ao grande capital, o combate a extrema-direita na sociedade e aos riscos de saídas autoritárias seguirá sendo uma tarefa fundamental no próximo período. Não está dado ainda o grau de unidade política desse campo político para as próximas eleições, se Bolsonaro continuará como principal liderança, se outra ocupará seu lugar e se haverá fragmentação.

A enorme agressividade que a extrema-direita e o centrão já mostraram, no início do governo, especialmente contra a política ambiental e para os povos indígenas do governo Lula, esvaziando o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e o Ministério dos Povos Indígenas, ao mesmo tempo em que a Câmara aprovou em regime de urgência o nefasto “Marco Temporal” e afrouxou a proteção da Mata Atlântica, tornou evidente que estas esferas (relacionadas) constituem um dos principais eixos de disputa hoje. Coerentemente, o PSOL deve se engajar nestas batalhas com a consciência de que são um aspecto que está adquirindo centralidade na luta de classes.


21- O PSOL não pode ficar em compasso de espera. É necessário combinar a luta para derrotar a extrema-direita - suas políticas, lideranças e travando a batalha para que arquem com as consequências legais e políticas do governo genocida de Bolsonaro e da tentativa de golpe do 08 de janeiro – com o combate à direita tradicional e ao Centrão. O fundamental é desenvolver amplo trabalho político para disputar nas empresas, escolas, universidades e nos territórios urbanos e rurais corações e mentes para uma perspectiva realmente transformadora e que combata frontalmente os reais problemas do país: a brutal concentração de renda e riqueza nas mãos de poucos privilegiados.

Os limites do Governo Lula

22- A composição do governo expressou a amplitude da frente que o elegeu, mas não só isso, expressou também a reedição, em um novo contexto, dos governos de frente ampla de 2003 a 2016. Governos que foram de conciliação de classes em prol do grande capital.

23- Nos seus primeiros meses em 2023, o Governo Lula retomou patamares mínimos de relação institucional com setores populares e intelectuais progressistas renomados em algumas posições nos Ministérios. Iniciou medidas necessárias para retomar políticas públicas compensatórias e no menor campo de resistência do grande capital, que foram marcas de seus governos anteriores. Atuou para reorganizar órgãos públicos sucateados e sabotados pelo Governo Bolsonaro para viabilizar sua agenda antipopular, antinacional e antidemocrática. A mais relevante de todas essas medidas iniciais do Governo Lula foi a atuação para sanar a grave crise humanitária que atingiu e ainda atinge os Yanomamis.

24- A esperança despertada com a eleição, a transição e as medidas iniciais convivem com a tática conciliatória do governo e as limitações impostas pelo grande capital e pelo Congresso Nacional. As condições de governabilidade de Lula estão mais complicadas do que no período anterior, com um congresso mais conservador, fragmentado politicamente e com maior capacidade de chantagem sobre o governo, herança do Orçamento Secreto parcialmente mantido.

25- Diante da rejeição do governo Lula e do PT de se apoiar na mobilização popular para implementar um programa profundo de transformação social, mudando a correlação de forças sociais e políticas para derrotar a burguesia, a tendência principal é Lula e o PT reproduzirem a mesma governabilidade já realizada em acordo com parte da direita conservadora, mas em condições piores do que no período anterior. A própria PEC da Transição - que deu certas garantias para o início do governo - foi também um mecanismo de pressão do grande capital para conter qualquer perspectiva mais arrojada para atender as demandas populares represadas. Essa PEC foi a mesma que impôs uma resposta à questão fiscal ainda em 2023.

26- As forças populares e socialistas não devem ficar paralisadas e submetidas a essa dinâmica conciliatória de Lula e da maioria do PT. Nesse quadro, o governo não atenderá parte expressiva das demandas populares represadas. A tarefa do PSOL é contribuir com a mobilização dos trabalhadores e dos setores explorados e oprimidos da sociedade, arrancar as conquistas que forem possíveis diante das contradições do governo e começar a forjar um programa radical de transformação social nos movimentos sociais. Diante do risco da extrema direita, o pior caminho, a partir da tese da “disputa do governo”, é justificar medidas conciliatórias e reformas de cunho liberal. Essa tática funciona como instrumento para a cooptação dos movimentos sociais e obstáculos para a necessária mobilização popular, o que pode pavimentar o retorno da extrema-direita ao governo. O PSOL deve manter atuação parlamentar independente e se postular como porta voz das lutas dos mais diversos setores.

27- O novo Arcabouço Fiscal proposto pelo Governo Lula e piorado no Congresso Nacional vai na contramão de qualquer perspectiva de mudanças efetivas no país. A nova regra fiscal será uma verdadeira âncora que impedirá um desenvolvimento social e econômico robusto, limitando a necessária ampliação de recursos para reestruturar e ampliar políticas públicas, gerar emprego e renda, fazer reforma agrária, realizar medidas de desenvolvimento tecnológico etc. O fundamental da proposta é uma política fiscal subordinada aos interesses do rentismo, com atendimento muito limitado das demandas populares.

28- O sentido político geral é um novo acordo com as classes dominantes, nos marcos da hegemonia neoliberal, preservando seus interesses fundamentais que têm no sistema da dívida pública uma forma de drenar recursos da riqueza socialmente produzida para um punhado de capitalistas privilegiados. Dessa forma, o governo aponta que continuará realizando privatizações, via concessões e PPPs, e a consequente desnacionalização da economia. O Arcabouço Fiscal pode manter o achatamento do custo da força de trabalho com a imposição de limites para aumentos reais do salário-mínimo e dos salários em geral, inclusive dos servidores públicos. Além disso, o governo impõe às forças populares, democráticas e socialistas uma derrota ideológica - naturalizando e estabelecendo parâmetros supostamente “realistas” - para o capitalismo em sua fase neoliberal.

É preciso driblar essa agenda e retomar campanhas e a luta contra o pagamento da dívida pública, defendendo sua auditoria. A continuidade do seu pagamento gera políticas de austeridade com contenção de investimentos nas áreas sociais, ao passo que não determina nenhum teto à manutenção deste pagamento ilegítimo e injusto.

29- A luta pela destituição de Roberto Campos Neto da Presidência do Banco Central, bem como a revogação de sua autonomia, coloca-se como importante tarefa tática a fim de superar a imposição do rentismo em posto estratégico, tirando de qualquer governo com mínimo viés popular a possibilidade de mudar a política monetária, que condiciona parte expressiva da política econômica.

30- A possibilidade de retrocessos em outras áreas, como na demarcação das terras indígenas e na proteção ambiental, é enorme. Algumas das áreas em que a conciliação de classes torna mais difícil avanços são nos temas ambiental e dos povos indígenas. É verdade que as políticas propostas por Lula ou Marina têm apoio internacional; dado que elas não confrontam nem o capitalismo (Marina é defensora do impossível “capitalismo verde”), nem as políticas protelatórias das maiores potências. Mas não têm apoio na maior parte das classes dominantes brasileiras, nem no Congresso e até de setores do PT. Conseguir chegar ao Desmatamento Zero na Amazônia – meta oficial do governo – ou avançar com as demarcações de terras indígenas (fundamental para a proteção da Amazônia) só será possível confrontando o agronegócio, com o apoio de um movimento social mais consciente e mobilizado. Se o governo não desmontar a herança de Temer e Bolsonaro, corre o sério risco de frustração social não só com os setores organizados da classe e os movimentos sociais, mas com o povo trabalhador em geral.


É preciso lutar por um PSOL democrático e independente

O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) é resultado da construção militante a partir da crítica dos problemas vividos pelo nosso povo, da perspectiva anticapitalista e da defesa do socialismo. O socialismo para o PSOL sempre esteve associado à luta antirracista; em defesa das mulheres; da juventude periférica; dos povos originários, das comunidades LGBTQIA+; em defesa do meio ambiente; pela conquista de um serviço público de qualidade; por Reforma Agrária e contra o latifúndio e sua violência contra os trabalhadores do campo, contra os movimentos sociais e as comunidades quilombolas e indígenas. O PSOL surgiu no enfrentamento à política neoliberal incorporada por grande parte dos partidos de esquerda e centro-esquerda. Somos um partido de luta pelos direitos dos trabalhadores e explorados em nosso país. Sabemos que não é uma luta apenas política, é uma luta anticapitalista, pois do outro lado, estão os interesses da classe dominante com todo o seu poder econômico, político e ideológico.

É por causa desta compreensão multifacetada da luta anticapitalista e da defesa do ecossocialismo que nosso partido tem conquistado diferentes gerações, especialmente a juventude, ao longo dos anos. Esse papel de trincheira de defesa dos interesses gerais das(os) excluídas(os) foi sendo cumprido ao longo dos anos dos governos de conciliação de classe do PT, o que fez do Psol um partido necessário.

O PSOL tem cumprido um papel político importante. Mesmo não tendo conseguido estabelecer profundas raízes no campo dos movimentos sociais, esteve presente em todos os momentos chaves da política nacional, fazendo reverberar e cerrando fileiras em torno das principais bandeiras políticas e sociais de nosso povo. Se não nos enraizamos tanto quanto esperávamos houve, por outro lado, um modesto crescimento de nossa participação institucional no parlamento em todos os níveis. Esse comedido fator, importante para a construção de vozes e interlocuções públicas, não tendo sido acompanhado pela necessária influência junto a amplas bases sociais organizadas, levou a uma forte autonomia dos mandatos. Tendo atuações, na maioria das vezes combativa, mas descoladas de maior organicidade em relação ao partido, nossas bancadas foram ganhando personalidade de “instâncias” políticas e mesmo deliberativas, tanto em relação às suas intervenções institucionais e relações políticas. Importante salientar que nossas bancadas tiveram um lugar, tantas vezes, de referência na defesa dos interesses das maiorias exploradas.

De um sonhado partido com forte inserção social nos transformamos em um instrumento político com um viés predominantemente institucional. Esse aspecto, de certa forma, é resultante de um forte processo interno de burocratização. A presença institucional trouxe consigo recursos públicos, cargos e funções e estes passaram a ser o motivo primordial das veladas disputas políticas nos fóruns e instancias partidárias. Os projetos e programas políticos são, em grande medida, secundarizados em nome do controle burocrático da máquina partidária. Essa é uma questão central para pensarmos os caminhos futuros do Psol.

Nesse novo quadro político, em que as ideias e práticas políticas mais abjetas da ultradireita encontraram seu espaço de interlocução e disseminação e que mais uma vez nos vemos diante de um governo de conciliação de classe é preciso problematizar sobre a ferramenta partido político, sua moldura e formato. O futuro político do PSOL depende da sua permanência como ferramenta com independência de classe.

As batalhas políticas que precisamos travar, quer na sociedade ou no partido, exigem que sejamos capazes de organizar sujeitos que estão, por sua condição social, em contradição com o capital e a natureza. Essa é uma das tarefas mais árduas para a esquerda anticapitalista. Não é possível realizá-la sem que tenhamos um programa político construído em diálogo e consonância com as demandas sociais e econômicas dos segmentos oprimidos e explorados. Um programa que seja um instrumental a animar, orientar, unir e coordenar as lutas dos mais diversos segmentos. Os setoriais são canais fundamentais entre as lutas e o partido e deve ser um espaço marcado pela horizontalidade e construção de sínteses para as intervenções do partido nas lutas.

Para atingir esses propósitos é essencial que tenhamos um processo múltiplo e diverso, em formato e conteúdo, de formação política que oportunize aos mais diferentes segmentos sociais as condições de refletir criticamente sobre a realidade e de elaborar meios de resistência e luta. Uma formação que não seja meramente manualesca, mas dialética e contemporânea.

O objetivo estratégico do PSOL, colocando o socialismo como horizonte, deve orientar nossa construção cotidiana. É a partir desse elemento estratégico que devemos definir nossos aliados, tanto nos movimentos como nas eleições.

Nada disso se fará sem que tenhamos um partido a altura dos desafios postos. Para fortalecer o partido é preciso que ele seja fundamentado na mais profunda democracia interna cuja transparência é um fator.

É muito importante que as instâncias funcionem regularmente. As Executivas Estadual e Nacional devem se reunir pelo menos a cada dois meses e os Diretórios a cada 6 meses. O VIII CNPSOL deve iniciar uma ampla reorganização dos Diretórios Municipais(DM) , regulamentando as eleições de suas direções; a formação de novos DM e os preparando adequadamente para as eleições de 2024, bem como para seu funcionamento regular.

Os desafios da esquerda para derrotar a extrema-direita

31- O governo Lula é uma nova etapa da busca pela estabilidade política da hegemonia burguesa no Brasil. Depois dos grandes impactos sociais, políticos e econômicos do golpe de 2016 e do governo Bolsonaro, o regime democrático liberal encontrou em Lula a alternativa para sua própria crise. A maioria da esquerda, com o objetivo de bloquear uma possível fascistização do regime, apoiou Lula.

32- Não houve alteração na relação geral de forças de classes no Brasil com a derrota de Bolsonaro e a vitória de Lula (pois continua a hegemonia burguesa e o atual governo é parte de sua sustentação). Porém, o atual cenário cria condições de mudar o viés da luta. Ao invés do movimento estar centrado em não perder direitos sociais, liberdades democráticas e soberania nacional (o centro era combater o neofascismo), agora está colocada a recuperação do que foi perdido, pelo menos desde o segundo mandato de Dilma, e alcançar novas conquistas.

33- Associada a esse cenário, mantém-se a tarefa histórica de derrotar o bolsonarismo e a extrema-direita em geral. Mas é preciso construir caminhos sólidos para isso. Não se pode tratar esse objetivo como algo abstrato, sem concretude e que pode servir de justificativa para domesticação das lutas populares ou para o oportunismo puro e simples. Os eixos da tática para derrotar o bolsonarismo devem girar em torno dos seguintes objetivos:

a) Melhorar as condições materiais de vida de nosso povo com políticas de transferência de renda abrangentes; aumento real do salário-mínimo; redução drástica das desigualdades, com redução dos ganhos dos mais ricos; geração de emprego de qualidade e com direitos; políticas públicas em saúde, educação, cultura, esporte e lazer; segurança e soberania alimentar; habitação popular; reforma agrária agroecológica; e defesa dos territórios e condições de vida dos povos indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais etc.

b) Promoção de um novo ciclo de organização dos trabalhadores e trabalhadoras, da juventude, do povo explorado oprimido em geral e da esquerda socialista para realizar amplo trabalho de formação/organização do povo trabalhador nos territórios, locais de trabalho, escolas e universidades. Incluir como tema central desta formação a defesa do ecossocialismo. É urgente retomar fóruns amplos e democráticos para articular lutas comuns dos sindicatos, entidades estudantis e demais organizações populares, superando a fragmentação e dispersão atual.

c) Manter mobilização permanente para defender uma agenda de revogação das medidas legais e infralegais dos governos anteriores (um verdadeiro revogaço), bem como das privatizações totais ou parciais de setores estratégicos; opor-se às propostas do grande capital que visam reduzir direitos, privatizar empresas públicas ou favorecer os monopólios privados; defender medidas populares e democráticas do governo contra os ataques do grande capital e da extrema-direita; lutar contra projetos de caráter regressivo no Congresso Nacional, mesmo que apoiados ou propostos pelo Governo.


Tarefas táticas da esquerda

34- Esses objetivos gerais da tática devem se manifestar em bandeiras concretas, em uma plataforma de luta. Isso exige das forças populares e socialistas a construção de agendas comuns que não sejam eventos reativos. Com esse sentido geral, defendemos a seguinte plataforma de lutas:

a) Defender um Projeto para o Brasil amparado na luta da classe trabalhadora e de todos os explorados e oprimidos, articulando demandas populares imediatas com um projeto anticapitalista e anticolonial no país e na América Latina. As forças populares e socialistas devem defender um projeto que aponte saídas para a grave crise nacional e esteja voltado para atender as necessidades da maioria do povo trabalhador. Sem combater os monopólios privados, o agronegócio, a mineração, o imperialismo e a concentração de renda e riqueza, o fantasma do neofascismo continuará a pairar sobre nós. É preciso e urgente combinar intensa mobilização popular, disputa ideológica e um programa político alternativo.

b) Não ao Arcabouço Fiscal! Pela Auditoria da Dívida Pública. A Dívida com o Povo Brasileiro é a nossa prioridade.

c) Pela revogação da Autonomia do Banco Central! Fora Roberto Campos Neto!

d) Pela estatização dos bancos, do sistema financeiro e grande monopólis, sob controle dos trabalhadores, para começar a romper o poder econômico das elites.

e) Revogar o “Novo Ensino Médio” e transformar a escola pública em espaço de esperança.

f) Lutar em defesa dos serviços e servidores públicos e contra toda forma de privatização!

g) Retomar o controle, reverter o desmantelamento da Petrobrás e torná-la uma empresa pioneira na construção de alternativas ambientalmente viáveis para uma transição energética socialmente justa.

h) Reverter a privatização da Eletrobrás.

i) Desmatamento zero! Lutar em defesa da Amazônia e dos outros biomas brasileiros.

j) Por uma Reforma Tributária que taxe os ricos e desonere os mais pobres e a classe média.

k) Lutar pela democratização das relações de trabalho no Brasil. Pelo fortalecimento da representatividade dos sindicatos, incluindo trabalhadores informais e com novas formas de trabalho.

l) Por mais empregos e aumento real do salário, a partir da redução da jornada de trabalho. Pelo fim de toda a terceirização do trabalho.

m) Lutar pelos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Pela legalização do aborto! Por orçamento público para garantir a aplicação da Lei 14.541/23 que determina o funcionamento integral das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher. Por políticas educacionais, de emprego e renda direcionadas às mulheres. Não à violência política de gênero.

n) Em defesa dos territórios indígenas, quilombolas e dos povos tradicionais.

o) Combater o racismo em todas as suas manifestações e lutar pelo direito à vida da juventude negra. Pelo fim da Guerra às Drogas, verdadeira guerra contra pobres negros e negras.

p) Em defesa dos direitos dos LGBTTQIA+;

q) Em defesa do SUS com ampliação do seu orçamento!

r) Contra o capacitismo! Em defesa de políticas públicas de atenção e inclusão das Pessoas com Deficiência (PCDs).


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